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14_Criança como método para ler Lacan [1]

Ilana Katz

Resumo

Criança como método para ler Lacan é ler Lacan com uma questão – quem é a criança no texto lacaniano? – e com um modo de pensar sobre isso, a partir da perspectiva analítica proposta por Erica Burman, em Criança como método (2019). Guiada pelo pacto epistêmico de Criança como método, revisitei o texto de Lacan e descobri dois modos diferentes de se abordar a criança, aqui nomeados “Criança Efeito” e “Criança Acontecimento”. Tais figurações (tropos) não pressupõem a seleção de uma única criança como a verdadeira criança lacaniana, mas, juntos, apontam para a relevância de considerar, no sentido da clínica e da política, a criança interpretada na proposição teórica de Lacan, como efeito e como acontecimento. A localização da substituição acrítica e frequente entre os termos “sujeito em constituição” e “criança” permite distinguir as relações entre desenvolvimento e constituição apresentadas por Lacan, extraindo daí suas implicações políticas. A análise dos elementos que envolvem as proposições articuladas aos campos do desenvolvimento da criança e da constituição do sujeito inflexiona sua separação, o que, consequentemente, oferece condições para o engajamento da psicanálise aos Estudos da Infância em uma perspectiva interseccional, problematizando universalismos conceituais e confrontando modelos patologizantes e segregadores de infância e de criança.

Palavras-chave: Criança, Criança como método; Psicanálise; Sujeito em Constituição; Desenvolvimento; Criança Acontecimento; Criança Efeito.

Criança como método para ler Lacan é “ler Lacan com método”, ou melhor, é ler Lacan com uma pergunta e com um modo de pensá-la. A pergunta seria: quem é a criança no texto de Lacan? E o modo de pensá-la, a perspectiva analítica proposta em Criança como método: um compromisso epistêmico que toma a figuração[2] (trope) da criança como instrumento analítico crítico para pensar as experiências discursivas nas quais ela toma parte, como presença ou como ausência (Burman, 2019).

Essas afirmações, porém, geram uma outra pergunta: para quê? Por que esse caminho se apresenta como necessário? Qual o propósito de interrogar a significação da ideia de criança na obra de Lacan? Nesse contexto específico, Criança como método estrutura a questão que nos orienta: o que a figuração da criança – ao participar da elaboração de seu discurso – pode nos dizer sobre a psicanálise de Lacan?

Contam-se trinta anos desde que comecei a trabalhar como psicanalista, atendendo crianças. Naquela altura, ainda era possível, a muitos atores do campo clínico, referir-se à clínica com crianças como uma espécie de subpsicanálise (Sauret, 1989/1998), exatamente por considerar que essa não respondia aos contornos do setting clássico e não cabia nos contra-atos inventados na clínica com adultos.

Nesse contexto, alinhada à transmissão de Rosine Lefort (1983-1988/1991), de que “a criança é um analisante de pleno direito”, segui, com vários outros, praticando psicanálise com crianças. Desde o final dos anos 1990, orientados pelo ordenamento ético de Marie-Jean Sauret: “diga-me como tratas a criança e te direi quem és”, sustentamos que essa clínica, radicalmente psicanalítica e ao mesmo tempo desencaixada da sua primeira padronização, seria capaz de colocar a psicanálise, ela mesma, para trabalhar. A direção que tomávamos, com essa posição, era aquela, também formulada pelos Lefort, de que a psicanálise é uma só: “não há especificidade na psicanálise com crianças. A estrutura, o significante e a relação com o Outro não concernem de maneira diferente à criança e ao adulto. É isso que faz a unidade da psicanálise” (Lefort, 1983-1988/1991, p. 13).

Foi assim, orientadas por esse entendimento do que constituiria a unidade da psicanálise, que trabalhamos na clínica com crianças psicóticas e autistas, partindo de “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” (escrito de 1958, em que Lacan interroga as possibilidades de tratamento da psicose pela psicanálise) em direção à construção da clínica psicanalítica com os autismos e com as psicoses. Nesse caso, foi necessário pesquisar para formular argumentos que sustentassem o entendimento de um lugar para o analista no tratamento das psicoses que não se reduzisse, ainda que não excluísse, à função preliminar de secretariar o alienado (Lacan, 1955-1956/1981). Enfrentamos o entendimento que circulava, a partir de uma certa interpretação desse texto, de que a clínica com as psicoses seria menos psicanalítica ou menos clínica do que aquela feita com a neurose e, principalmente, com adultos neuróticos.

Em 2012, Izabel Abreu Kisil apresentou, na dissertação de mestrado, a nomeação da função do analista na clínica com psicoses como “assistente de pesquisa”. Desde então, tenho para mim que passamos para outra coisa: de secretários do alienado a assistentes de pesquisa, assistentes da pesquisa de cada sujeito – entendendo, inclusive, que secretariar pode ser, e tem sido, uma das tarefas de um assistente de pesquisa.

No início dos anos 2000, no Brasil, o campo do autismo se apresentou como um campo de disputa política, composto por muitas forças e marcado pela lógica do mercado – isso que aprendemos a chamar de “autismo como commodity” (Mallet & Runswick-Cole, 2016; Timimi & McCabe, 2016) ou, como temos nos referido mais recentemente e de acordo com Alicia Broderick (2022), como o funcionamento do complexo industrial do autismo. As disputas demandavam da psicanálise uma posição, acontecia no Brasil algo próximo do que acontecia na França, na primeira década do novo século (Robert, 2011): a psicanálise vinha sendo violentamente atacada pela psiquiatria mainstream, deslegitimando sua presença nos dispositivos de saúde pública.

A questão que me interessa isolar desse extenso debate é de que se, de alguma forma, pudemos nos articular no debate público em defesa da presença da psicanálise para compor o campo do cuidado e da atenção para autistas[3], certamente não havia, entre nós, psicanalistas, acordo em torno das razões que sustentavam essa defesa.

No interior da psicanálise, como campo de saber, outras disputas tinham lugar. Admitindo que a questão de mercado não estava assim tão distante do propósito de todas as linhas argumentativas que ganhavam espaço naquele momento, mas sem adentrar nos meandros dessa construção, destaco a questão que ali, no início da segunda década dos anos 2000, começou a se desenhar. Posições políticas radicalmente diferentes vinham sendo sustentadas a partir de formulações construídas por diferentes grupos de psicanalistas e, muito especialmente, de psicanalistas de orientação lacaniana. A disputa pela legitimação de um ou outro grupo como o portador da verdade da psicanálise (aquele que seria o verdadeiro intérprete do ensino dos mestres), porém, não permitia avanços e não resolvia nossos impasses. Um caminho possível para avançar, entendi, seria questionar se havia elementos, na formulação lacaniana, que sustentavam práticas e posições tão diferentes. E, se houvesse, quais seriam?

Seguindo a disposição de que a psicanálise com crianças poderia colocar a psicanálise para trabalhar, comecei a me aproximar da ideia de que processos de constituição do sujeito e o seu agenciamento pelas funções materna e paterna vinham sendo lidos de formas muito pouco compatíveis por diferentes grupos de psicanalistas. As noções de criança, sujeito e infantil pareciam estar embaralhadas nas formulações dos psicanalistas e ficava claro que a clínica psicanalítica com crianças e, muito especialmente, com psicoses e com autismos, estava sendo invadida pela psicologia do desenvolvimento. Tal interferência tem muitas expressões e, entre elas, destaco a ideia de que a detecção precoce do autismo ou de sinais de risco de autismo poderia supostamente possibilitar uma reversão de tal condição.

Para acompanhar essa discussão, é importante ter claro que o problema com a psicanálise no campo do autismo não está exclusivamente centrado na questão da detecção precoce: a “detecção precoce do autismo”, através da observância de seus sinais de risco, não é uma invenção da psicanálise. Ao contrário, esta se faz presente em diferentes modos de compreender o autismo e, em cada um deles, tem um lugar especificado na produção do cuidado[4]. No que tange à psicanálise, não deve passar despercebido, porém, especialmente na discussão que aqui nos interessa, que a ideia de “precoce”, ao ser trazida para o interior da psicanálise, aponta para a infiltração de concepções desenvolvimentistas na compreensão do sujeito e de sua tecitura.

A ideia que destaco para o debate que aqui se coloca, e que dispõe o tensionamento em relação à psicanálise no campo do autismo, é a de que a detecção precoce poderia armar condições para uma suposta cura do autismo (Medina, 2015). É essa a ideia que cria problemas políticos significativos para a presença da psicanálise no campo do autismo (Arantes & Rosi, 2020; Lugon & Andrada, 2019; Moyses, 2020), sendo o principal deles a defesa e a sustentação, feita por muitos e historicamente construída, de um caminho teórico-clínico que articulou a chance da suposta reversão do quadro psicopatológico à sua, também suposta, psicoetiologia.

De formas que foram mais ou menos diretas, diferentes autores – baseados em Kanner (1948) e, depois, ecoando Bettelheim (1967/2018) – sustentaram suas leituras em uma hipótese que ficou conhecida como “parentalidade tóxica” (Vicedo, 2021, p. 57; Silberman, 2015, p. 201) e, em suas construções, responsabilizaram as mães por aquilo que entendiam ser “a patologia” das crianças (Bettelheim, 1967/2018). Ao longo da história, tal construção criou muitas dificuldades para os autistas e suas famílias, sendo  lógica e veementemente rejeitada pelo movimento da neurodiversidade e pelas pessoas autistas que hoje ocupam legitimamente os espaços de debate público e, destaco, estão produzindo conhecimento para sustentar a compreensão do autismo como uma condição, não como uma patologia[5]– retificação que acompanho clínica e teoricamente.

Tendo a discussão chegado a esses termos, será preciso considerar que a referência ao autismo como quadro psicopatológico pela psicanálise deve ser examinada em alguns pontos. Primeiro, deve-se observar que a psicopatologia estuda o páthos como modos de existir do ser (as suas paixões) e, nesse sentido, não necessariamente hierarquiza um funcionamento subjetivo em relação a outro, assim como também não necessariamente qualifica os quadros que descreve como doenças. Reconhecer diferentes modos de funcionamento, descrevê-los e, a partir disso, dispor um tratamento ao sofrimento que decorre de cada páthos não fazem da oferta de cuidado um dispositivo de cura ou de redução da estrutura (Silva Jr., 2000; Lima, 2011). Por razões com essa, interessa manter a diferença fundamental entre as formulações da psicopatologia como campo do conhecimento (o qual não será problematizado neste texto) e a ideia de patologização da vida, que nomeia os processos de naturalização e individualização de fenômenos com a intenção de apagar a complexidade de sua produção e de agir sobre a (incontornável) determinação sociopolítica desses mesmos fenômenos, numa tentativa clara de neutralização do que Christian Dunker (2015) nomeou como o potencial crítico dos sintomas sobre as formas de laço de cada época.

Porque a psicanálise não está excluída de tal tensionamento, nesse cenário, o estatuto do autismo condensa disputas teóricas e clínicas que também impactam o campo da psicanálise no seu interior, disputas que, sabemos, têm consequências éticas. Para extrair essas consequências, é necessário questionar o lugar que se reserva para a criança – sua vida, sua experiência, sua contingência – ao se defender a hipótese da “mãe geladeira” (Time, 1948) ou suas versões menos explícitas e mais contemporâneas, em que se acredita que o autismo tenha uma causa psicopatológica forjada decididamente na relação mãe-criança ou numa falha que tem lugar no agenciamento da função materna.

Antes de seguirmos para a discussão da questão central deste artigo, é importante dizer que também há, no interior da psicanálise, clínicos e pesquisadores que reconhecem o conhecimento produzido por autistas e por seus familiares e que avançam em suas hipóteses teórico-clínicas em interlocução com eles. Marga Vicedo (2022) qualifica essa forma de produzir conhecimento, realizada pelas pessoas que experienciam a condição a ser abordada, com um nome muito preciso: “experiência como expertise” [experience as expertise] e, com isso, defende, no campo epistêmico, a pertinência e a relevância dessa forma de produzir conhecimento.

Nesta trilha, o psicanalista francês Jean Claude Maleval, apoiado na investigação que realizou sobre a autobiografia de autistas e na sua clínica, em seu último livro, A diferença autística (2021), dá consequências à formulação que propôs em O autista e sua voz (2009) e faz algo como uma reviravolta na abordagem do páthos. No campo do autismo, Maleval[6] enfrenta a valoração de uma condição em relação às outras condições de existência possíveis à experiência humana. Para ele, resumidamente, a ideia de normalidade deve ser pensada no interior de cada estrutura; quanto às estruturas, ele as refere como diferenças – diferenças essas que, por sua vez, se sustentam na variação das formas de articulação de gozo. Com esse entendimento, Maleval pode dizer que o que se constrói a cada tempo como normalidade deve ser compreendido como a possibilidade de estabilização[7] em cada uma das diferenças possíveis e não deve ser pensado na comparação entre o que ele chamou de diferença neurótica, psicótica, autística ou perversa. Essa construção, ele mesmo declara, tem a intenção de discutir a conotação patológica da referência à estrutura com os termos “neurose”, “psicose” e “autismo”. Em suas palavras, ele faz tal esforço porque entende que isso que, no referencial lacaniano, aprendemos a chamar de estrutura clínica “não são patologias em si […]. Então, a normalidade é a estabilização em cada uma dessas diferenças. É por isso que me parece que seria melhor falar de diferença neurótica, psicótica, autística, inclusive perversa. É o que queria dizer como resposta” (Maleval, 2022, não paginado).

 

O desenvolvimento da criança e a constituição do sujeito

Desde os primórdios de seu ensino, Lacan marca a diferença entre o desenvolvimento da criança e a constituição do sujeito, situando as lógicas de sua inscrição: o desenvolvimento é desenhado pelo avanço das etapas maturacionais, biologicamente determinadas, e por aquisições progressivas de competências[8]. A lógica da constituição do sujeito, em outra direção, é a da inscrição da falta do objeto (Lacan, 1956-1957/2003), a partir da qual o sujeito se organiza. É a insuficiência da função que funda o psiquismo” – ele diz, ainda em 1938 (Lacan, 1938/2003). Esse caráter não instintivo do apetite humano aponta para a constituição subjetiva como efeito da relação do sujeito ao Outro, não há um movimento espontâneo ou autoengendrado, o movimento depende do outro. Lacan formulou de muitas maneiras o que vai se afirmar no Seminário 11: de que as trocas fundamentais, entre elas o sexo, estão reguladas pelas formas de aliança, são regidas pelo significante, não há linguagem biológica para organizar o processo (Lacan, 1964-1965/1998).

Para dimensionar a questão, já estava claro, seria necessário fazer a diferença entre a ordenação sucessiva no tempo (diacronia) das operações lógicas da constituição do sujeito e a perspectiva do desenvolvimento da criança. Mas o deslizamento pouco criterioso, presente no texto de Lacan, entre os termos “sujeito em constituição” e “criança” – que se substituem e que se alternam com frequência – não facilita a tarefa.

Somado a isso, considero que esses deslizamentos sustentam, no texto lacaniano, uma compreensão da subjetivação muito mais próxima de concepções desenvolvimentistas do que nós gostaríamos de supor. Afinal, aprendemos com o mesmo Lacan, o sujeito não se desenvolve nem para de se constituir. Marie-Jean Sauret ajuda a dimensionar o tamanho do nosso problema ao formular, citando Marc Strauss, que “o sujeito não tem a idade de seu organismo, ele tem a de seu gozo” (Sauret, 1998, p. 23).

A pergunta “quem é a criança na teoria de Lacan?”, ao examinar esses deslizamentos, se constitui, para mim, como direção (e posição) na política da clínica da psicanálise com crianças.

No bojo dessa discussão, que performa compreensões e ações concretas na prática clínica, a proposta metodológica Criança como método (Cam) oferece as condições de análise e de enfrentamento das consequências (clínicas e políticas) do deslizamento entre os termos referidos à constituição do sujeito e ao desenvolvimento da criança em Lacan.

Nos contornos próprios de Criança como método, interrogo: o que a figuração da criança, na obra de Lacan, pode nos dizer sobre a psicanálise? Tal leitura, metodologicamente orientada, teria efeitos sobre o entendimento da constituição do sujeito que temos partilhado? Em outras palavras: a hipótese (que se confirma) é a de que, ao interrogarmos a ideia de criança, que tem lugar no texto de Lacan, seria possível percebermos a incidência da psicologia do desenvolvimento sobre a psicanálise e, com isso, analisarmos também as relações que ali se imprimem entre a criança, o sujeito e a noção freudiana de infantil.

Bem, o risco de, ao delimitarmos um campo de investigação, não nomearmos a experiência da infância no seu plural, infâncias, marcando a geopolítica da sua determinação, é o de que, sem marcar posição, acabemos por sustentar, com nossas pesquisas, a produção de um imaginário que produz e aprofunda desigualdades.

Os determinantes culturais e sociais se impõem: os marcadores de classe, raça, gênero e deficiência atravessam a experiência da infância para decidir que nossa época não tem uma infância característica, que não há apenas um modo de ela existir. O lugar designado à criança, no laço social, não é o mesmo para todas as crianças que habitam o mesmo tempo histórico.

É por isso que as infâncias contra-hegemônicas, que, como sabemos, interrogam modelos de desenvolvimento (Katz, 2023; 2024), problematizando o seu estabelecimento e a possibilidade de toda e qualquer normatização, justificam e radicalizam as questões da pesquisa. Diante dessas experiências, a questão se incrementa, ganhando novos contornos: seria necessário perguntar sobre a possibilidade de o universalismo de uma teoria da constituição do sujeito suportar a variação antropológica das infâncias, além de discutir os elementos que ampliariam essa possibilidade.

Sabemos que a infância que se autoproclama como universal e que dispensaria qualificações é apenas uma, entre as tantas experiências diversas que se desenham no acontecimento humano. Essa infância que recusa a dizer-se em seus traços é, no Brasil, branca, rica e filha de famílias cis, hétero e biparentais, além de não ter deficiência classificada. São, inclusive, as crianças que não se inscrevem quando, sem cerimônia nem reflexão, enuncia-se a frase “homens, mulheres e crianças” para designar grupos populacionais e, num só golpe, subtrair gênero e sexualidade da experiência da criança. As infâncias que confrontam tal condição e universalidade, às quais sempre precisamos adicionar um descritivo para referi-las – como crianças negras, crianças pobres, crianças com deficiência, crianças transgêneras, crianças adotadas –, exatamente por complicarem a universalização[9] da infância como categoria sociopolítica, são, portanto, as infâncias contra-hegemônicas (Katz, 2019; 2022). São infâncias que se referem a modos de viver que não respondem à unidade experiencial e representativa do que se designou como “maioria”[10] e não respondem também à suposta identidade de experiências que o condicionamento ideológico dominante da vida na atualidade quer decidir.

Do nosso lado, é urgente interrogar se, na condição de psicanalistas, participamos do debate político engajados no enfrentamento da segregação ou se, fazendo um uso específico de nossos modos de entender e de dizer a estrutura subjetiva, não participamos da consolidação dos discursos que patologizam a vida e, sobretudo, a pobreza.

Para isso, precisamos problematizar a consistência imaginária impressa em certas formas de dizer a criança e sua família, presentes, também, na psicanálise. Será preciso considerar se esses modos, em muitos casos, não se colocam a serviço da demanda de uma ciência que procura universalizar o particular em direção ao ideal (Beer, 2020), comprometendo, nesse caminho, a instituição e a compreensão do particular das experiências humanas.

Por razões como essas, confrontar o universal é – da perspectiva e da posição de clínicos e psicanalistas – interrogar a produção teórica da psicanálise para territorializar e racializar a experiência da criança.

 

Criança Efeito e Criança Acontecimento

Tomando a criança como elemento-chave para a interpretação dos discursos dos quais participa e entendendo, com Criança como método, que a figuração de criança em tais discursos é uma posição interpretativa e narrativa a partir da qual é possível constelar leituras (Burman, 2019), interroguei o estatuto da criança em Lacan, analisando escritos e seminários que são recorrentes na formação do psicanalista que trabalha com crianças.

Como estratégia analítica para abordar as infâncias geopolítica e historicamente determinadas, Criança como método foi, para mim, a possibilidade de fazer a psicanálise trabalhar, como teoria, na direção da sustentação da sua disposição ético-política de construção da clínica e da pesquisa. A ideia foi a de colocar a psicanálise para participar do debate sobre as infâncias em um campo estabelecido por interseccionalidade e, sobretudo, para a incluir como algo que também precisa ser analisado/pensado. É importante dizer que esse esforço não pretende apenas uma elucubração teórica. Afinal, como lembra Marga Vicedo (2021), a ciência muda a vida das pessoas e é essa a dimensão do nosso compromisso.

Orientada pela pactuação epistêmica de Criança como método (Burman, 2019), voltei ao texto de Lacan e encontrei ali duas formas distintas de dizer a criança. Essas figurações nomeei de “Criança Efeito” e “Criança Acontecimento”. Tais nomeações têm a intenção de diferenciar os tropos e de marcar os termos e as abordagens da ideia de criança que escutei no texto de Lacan a cada vez que ele se referia a ela. Não proponho, com isso, a escolha de uma criança para ser “a verdadeira” criança lacaniana, mas, ao contrário, entendo que, juntas, apontam para a relevância de considerarmos, na clínica e na política, a criança pensada nas ordens do efeito e do acontecimento.

A diferenciação que a experiência de nomeação sustenta permitiu escutar as relações entre desenvolvimento e constituição presentes no texto, extraindo dali as consequências políticas das passagens e das substituições pouco criteriosas entre as noções de “sujeito em constituição” e “criança”.

 

Criança Efeito

A Criança Efeito é a criança que Lacan apresenta como resultado das operações constituintes, forjada entre as funções materna e paterna. Está escrita no texto com a palavra “criança”, mas é uma referência clara ao sujeito que se constitui como resposta ao lugar que lhe é designado no campo do Outro, como consequência de uma operação essencialmente simbólica.

Lacan formula assim, em “Alocução sobre as psicoses da criança” (1967-1968/2003, p. 360): “para obter uma criança psicótica, é preciso ao menos o trabalho de duas gerações, sendo ela o seu fruto na terceira”. Em Conferência de Genebra sobre o Sintoma (Lacan, 1975/1998, p. 13, grifo meu), ele diz: “os pais modelam o sujeito nessa função que intitulei o simbolismo”. Nessa mesma conferência, diz que Hans fez os sintomas que fez “graças ao fato de que tem um certo tipo de pai e um certo tipo de mãe” (Lacan, 1975/1998, p. 15, grifos meus).

 

Criança Acontecimento

Diferentemente disso, a Criança Acontecimento é aquela que não é puro efeito do que o outro faz com ela, é o sujeito em ato. É a criança considerada como aquela que participa ativamente das suas situações.

Na primeira abordagem da questão, por conta dessa perspectiva disruptiva do ato, eu havia nomeado tal figuração da criança como “criança-criança”. Entretanto, Ian Parker, em uma conversa que aconteceu em maio de 2022, me fez perceber a proposição essencialista que havia nesse nome, o que seria exatamente o contrário do que eu dizia escutar na formulação de Lacan. Foi assim que batizamos tal figuração de Criança Acontecimento, dando lugar à experiência da criança como acontecimento, ou seja, em abertura ao real. Trata-se, nesse caso, do acontecimento [event] no sentido forjado por Badiou (1988/2013): aquilo que decide/marca um depois diferente do antes, apresentando, portanto, descontinuidade; a contingência assume valor determinante no encontro.

Criança Acontecimento nomeia a operação na qual o sujeito se constitui como resposta do significante ao real. Como formula Sauret: “quer ela seja feita de aceitação ou de recusa, o sujeito surge como consequência, levando a marca dessa recusa ou dessa aceitação” (Sauret, 1998, p. 16).

A Criança Acontecimento emerge na interpretação de Lacan sobre as “pequenas marcas” (Lacan, 1956-1957/2003, p. 290) que foram deixadas pelo observador no relato do caso Hans e que Lacan as interpreta para fazer aparecer a posição de Hans: o pequeno está num jogo de esconde-esconde com o pai e esse jogo inclui o próprio Freud, “ele traz coisas para além mesmo do que Freud pudesse prever” (Lacan, 1956-1957/2003, p. 311). Hans “está na zombaria perpétua que colore todas as réplicas de Hans a seu pai, e dá seu tom” (Lacan, 1956-1957/2003, p. 303). Lacan considera que, ao entender que o pai está excessivamente interessado no conteúdo de sua construção mítica, o menino trata de driblar seu entendimento (o esconde-esconde) e, de alguma maneira, trata de se defender de seus excessos, integrando as formulações do pai à sua construção mítica. “As histórias infantis, quando têm esse caráter desconcertante […], nós as incluímos na perspectiva do ingênuo. Mas essa ingenuidade, bem sabemos, não deve ser tomada ao pé da letra. Existe o ser ingênuo e existe o que finge ser ingênuo” (Lacan, 1956-1957/2003, p. 302).

 

Criança como Significante

Entre as formas apontadas de dizer a criança, Criança como método mostrou que o significante “criança”, no texto de Lacan, suporta a dupla perspectiva do efeito e do acontecimento, como situei com as poucas extrações do texto. Não é difícil entender que se expressa assim porque a experiência da criança se faz construída entre sua condição incontornável de efeito e sua resposta como acontecimento. Não exatamente a criança, mas o sujeito se tece sob tal tensionamento. É por isso, inclusive, que não interessa eleger uma dessas como A criança de Lacan, sua “verdadeira contribuição” ou algo do gênero.

Situando a discussão nesses termos, porém, deslizo rapidamente entre os termos “criança” e “sujeito”, para me referir aos termos da constituição subjetiva. Aqui se desenha o problema que enfrentamos.

Há muito já entendemos que o sujeito se constitui como resposta do real ao significante e, agora, poderíamos dizer (com as pequenas marcas de Hans) que o sujeito acontece como resposta ao seu lugar no Outro, que é a sua condição de efeito. Por fim: o sujeito se realiza como resposta ao simbólico.

Entretanto, ainda não pudemos entender por quê, nos escritos e nos seminários de Lacan, o significante “criança” – que traz consigo a marca do corpo que se desenvolve – se sobrepõe, tão facilmente, à perspectiva do sujeito que se constitui. Se estamos politicamente interessados em manter a diferença entre desenvolvimento e constituição, na qual Lacan insistiu para sustentar seu ensino, essa passagem não é sem valor. Mais do que entender o porquê desse deslizamento, porém, interessa extrair suas consequências para o campo.

De um lado, há isto: a militância de Lacan tem as razões fundamentais que sustentaram o “retorno à Freud” que modulou seu ensino. De outro, não menos importante, as teorias do desenvolvimento da criança não são apolíticas. É como adverte Burman (2008/2016) já no primeiro capítulo de Deconstructing Developmental Phycology[11] [Desconstruindo a Psicologia do Desenvolvimento]: “transformar a desordem complexa do desenvolvimento individual em passos ordenados para a maturidade reflete explicitamente interesses sociais em manter o controle social nos e entre os grupos sociais e nações” (Burman, 2008/2016, p. 13); “o projeto do desenvolvimento individual (da criança) se vincula a um modelo mais amplo de desenvolvimento social e econômico. Esse modelo, por sua vez, reinscreveu o privilégio de gênero e racializado da masculinidade cultural ocidental como o modelo normalizado do Estado Nação” (Burman, 2008/2016, p. 3).

 

Criança como método para ler Lacan

Assim, Criança como método, nesta pesquisa, tem sido o caminho metodológico que:

  1. permite escutar, no texto, passagens e substituições pouco criteriosas entre “criança” e “sujeito em constituição”;
  2. presta atenção às consequências políticas que a infiltração da perspectiva desenvolvimentista produz para a psicanálise;
  3. ao analisar os elementos que embaraçam os termos do desenvolvimento e da constituição, perspectiva sua separação e a consequente condição de a psicanálise engajar-se numa abordagem interseccional das infâncias, “complicando universais” (Cassin, 2016/2019) e não cedendo a modelos patologizantes e segregadores.

A passagem rápida de Lacan entre os termos “criança” e “sujeito” (em constituição) denuncia o assédio das teorias do desenvolvimento sobre o pensamento analítico. Com os termos de análise Efeito e Acontecimento, consideramos que a compreensão da experiência da infância, sob a exclusividade da lógica de tecimento do tropo da Criança Efeito (a sobredeterminação simbólica), permitiria uma forçagem aproximativa à psicologia do desenvolvimento. O que barra o assédio e separa a perspectiva do desenvolvimento da lógica da constituição subjetiva é o reconhecimento do acontecimento como elemento incontornável da lógica constituinte. É o entendimento de que o sujeito se produz no jogo entre efeito e acontecimento.

Considerando, então, que aprendemos com Lacan que o sujeito não se desenvolve nem para de se constituir, a constatação de que naturalizamos a substituição, no nível sinonímico, de “sujeito em constituição” por “criança” instituiu uma nova pergunta de pesquisa: há algo de específico que se passa no tempo da infância, no que tange à constituição subjetiva, que permite essa construção?

Para elaborar a resposta, vale lembrar que, como tempo lógico, o tempo conta sincrônico. Mas é necessário contar também que, como o sujeito se relaciona com os desdobramentos e encadeamentos do que se institui nessa lógica, o tempo se realiza também como experiência diacrônica: primeiro uma coisa e depois a outra, que pode, inclusive, reler a primeira e mudar seu sentido.

A referência implícita ao tempo cronológico do acontecimento da infância como começo da vida (e, portanto, referido à criança), porém, não faz com que o tempo cronológico, por si só, possa definir a infância. Lacan observa que o caso de Hans é mais exemplar do que os outros casos abordados no Seminário 4, “porque ele ainda está capturado no milagre das origens” (Lacan, 1956-1957/2003, p. 310) – é sobre a sua origem, afinal, que Hans se interroga o tempo todo. Colette Soler (2013/2018, p. 45), por sua vez, fala da infância como “o tempo das primeiras vezes”.

O filósofo italiano Giorgio Agamben (1979/2005) toma a infância como o tempo e o lugar no qual se desenrola a instalação da relação do sujeito com a linguagem (que não é instantânea) e com a cultura (que não chega num golpe só). Sua principal tese, em Infância e História, é a de que, se houvesse um ser desde sempre falante, não haveria nem conhecimento, nem infância, nem história, porque esse suposto ser,

ele seria desde sempre imediatamente unido à sua natureza linguística e não encontraria em nenhuma parte uma descontinuidade e uma diferença nas quais algo como um saber e uma história poderiam produzir-se (Agamben, 1979/2005, p. 14).

Considerando que, na abertura do tempo da chegada da vida humana no mundo, o impacto se faz registrar como um corte real que incide sobre o “lugar simbólico”, esse lugar que aguarda o humano que chega no corpo de seus adultos de referência, entendo que o vem chegando situa, a partir do pensamento de Agamben, o enlaçamento entre os registros da experiência em Lacan. Diante do corte, simbólico e imaginário articulam-se. A infância, entendida na perspectiva do tempo do vem chegando, da articulação processual entre língua e discurso na linguagem (Agamben, 2005, p. 64), condiciona-se pela apropriação (no sentido exato de tornar próprio) de termos da cultura que se fazem registrar numa trama entre o Imaginário e o Simbólico em relação ao Real (que ex-iste). A expressão vem chegando está aqui, então, para revelar que o caráter processual e descontínuo do acontecimento da vida, na contingência da vida que começa, impõe-se como abertura ao Real.

Didier-Weill (1995/1997), psicanalista, considera que a criança mantém uma relação com o saber que difere da do adulto, o que não quer dizer que ela não saiba, mas sim que o saber, no tempo da infância, se produz em outras bases e com outros elementos. Este recurso diferente é, para ele, a experiência subjetiva do espanto: “a experimentação de um acontecimento súbito, que detém o poder de introduzir, na continuidade do saber, a hiância súbita de uma descontinuidade” (Didier-Weill, 1995/1997, p. 17). Esta capacidade que o adulto eventualmente reencontra na relação com o esporte e com a arte, ele diz, a criança tem diante da vida. E é nesse modo de se relacionar com a experiência, suportando hiância e descontinuidade, que a criança se relaciona com o saber.

Ele nos adverte que a relação particular da criança com o saber explicita que, “para além de sua inocência quanto ao saber, a criança é menos inocente que o adulto perante o real” (Didier-Weill, 1995/1997, p. 27). A criança sabe sobre si e sobre o mundo que habita suportando as descontinuidades e as hiâncias que os adultos suturam com muitos recursos, entre eles está uma específica relação com o conhecimento.

Lacan, no seminário sobre as relações de objeto, formula as bases do trabalho do simbólico sobre o real, que modula a chegada da criança na linguagem[12]: “a ordem simbólica, como distinta do real, entra no real como uma relha de arado, nele introduzindo uma dimensão original” (Lacan, 1956-1957/2003, p. 243). Lembrando-nos que o Real se produz a partir do Simbólico, ele acrescenta: o significante “desempenha um papel de relha cuja função é tornar a fundir, de maneira nova, o real” (Lacan, 1956-1957/2003, p. 314).

Foi assim que entendi que, no tempo da infância, o sujeito experimenta a condição de abertura ao real como via de efetivação de sua presença no campo do Outro. Se, para o adulto, essa trombada se revela no espanto, no tempo do vem chegando da linguagem, essa condição não é de surpresa.

Lembro aqui a pergunta que nos guiou: há algo de específico que se passa no tempo da infância, no que tange à constituição subjetiva?

Pois bem, para sustentar a abertura ao real como algo que decide uma configuração diferente da experiência subjetiva no tempo da infância, não como “quantidade” (“mais aberta ao real”), será preciso estender o trabalho até a noção de lalíngua como moterialisme (Lacan, 1975/1998). O que interessa, afinal, é compreender a radicalidade da formulação psicanalítica de que a infância é, para o sujeito, o tempo (e o lugar) das primeiras vezes (Soler, 2013/2018).

Em Genebra, ao discutir a dimensão da linguagem que está aquém do significante, Lacan (1975/1998) apresenta lalíngua nos seguintes termos: “O que acontece é que enquanto a criança lida e brinca com alguns desses detritos da linguagem, com a massa sonora que acompanha sua experiência, ela produz a coalescência da realidade sexual com a linguagem” (Lacan, 1975/1998, p. 11).

Ninguém escapa da linguagem, todos teremos que dar uma resposta a seu impacto sobre o corpo. Nos relacionamos, desde os primeiros instantes da chegada ao mundo, com essa massa sonora, é ela que Lacan conceituou com lalíngua, batizando-a com o neologismo que junta “língua” com “lalação” e, assim, já no nome, apresenta a indistinção de seus termos (a massa sonora, afinal).

No encontro entre quem chega e quem o recebe, e independentemente do funcionamento do ouvido, lalíngua faz os corpos vibrarem. É essa vibração que, ao marcar o corpo de quem chega, faz com que a coalescência entre os termos da vida – aqui referidos como linguagem e realidade sexual – aconteça no sujeito.

Essa é a urdidura que suporta o tecimento do sujeito e deixa ver o tensionamento constituinte entre língua e lalíngua. Paulo Sérgio Souza Júnior o explica assim: “a língua se constrói retroativamente do mínimo ao máximo (do traço ao discurso)” e, “por outro lado, lalíngua mostra-se o oposto”, pois, por suas próprias características, “não seria na distinção e no limite que estaria sua morada” (Souza Jr., 2023, p. 85).

É devido à condição de aragem na relação com o simbólico – que, enquanto se processa, funciona de modo que os seus elementos se suportem em conexões menos frequentes, fixas e estáveis –, nas hiâncias e nas descontinuidades que se estabelecem entre os seus termos, próprias ao processo, nesse estado de relação entre língua e lalíngua que se dá a abertura ao real já referida neste texto.

Essa abertura, entendemos com Paulo Sérgio Souza Júnior, não é só disfluência de registros no simbólico (o encadeamento significante); o real também está ali como registro e, por isso, apresenta os seus termos na modulação da experiência do sujeito. A abertura ao real, aqui referida como própria ao tempo da infância, é suportada na relação de proximidade com lalíngua; proximidade a isso que, ao não fazer conjunto (como a língua o fará) – pois aqui o significante não se estabiliza atrelando-se ao sentido –, é “um integral de equívocos” (Lacan, 1973/2003) e permanece como uma multiplicidade de diferenças riscadas, pela vibração, no corpo (Souza Jr., 2023, p.61).

Lembro-me do meu primeiro filho, que, ainda bebê, para diferenciar os caminhões que procurava pela janela de casa, chamava o caminhão do lixo com o som que ele fazia quando passava pela rua: chchchchch – o que possibilitou a ele deslizar rapidamente para a palavra “lixo”. O outro caminhão que ele procurava, e que vendia gás de cozinha cantando a Pour Elise de Beethoven, ele o chamava de “gás”. Pour Elise, muitas vezes, era o que cantarolávamos para ele dormir e, talvez por isso, se precipitava a inscrição da diferença, deixando ver a coalescência da realidade sexual com a linguagem.

Esses ruídos (chchchchch) inscrevem-se, marcam. Fixam-se pelo efeito do trabalho da libido, é a energia sexual que faz a liga, é o que pulsa e impulsiona, o que passa para fazer marca: a satisfação faz grudar aquele som naquela experiência, tece lalíngua. Inscreve uma marca de gozo. Esse aquém da linguagem que se faz lalíngua e que a fundamenta é marca de gozo. Lalíngua é o que torna inseparável a experiência sujeito e corpo.

A articulação da experiência sexual à linguagem, lalíngua, é, em termos freudianos, a raiz da representação e, em termos lacanianos, a fundação do significante. O aquém do significante, moterial, para Lacan, é pedra fundamental da constituição do sujeito.

Portanto, com a ideia de lalíngua, alcançamos a hipótese em torno da “insondável decisão do ser” (Lacan, 1946/1998) que acontece em cada encontro particular. Há a consideração àquilo que não é o vetor do adulto à criança: os caminhões tocam as músicas que a mãe e o pai cantam para a criança dormir. A contingência é a regra do jogo.

Sauret articula os termos aqui dispostos: “Ao outro do significante, o real responde pela produção de um sujeito. Esse é o milagre da insondável decisão do ser. O real da ciência – que o organismo da criança é para a ciência – é ‘recoberto’ pelo real do sujeito, se ‘transmuta’ em real do sujeito” (Sauret, 1989/1998, p. 16).

Para escutar isso em Lacan, precisei de Criança como método (Burman, 2019) para separar as duas dimensões da constituição subjetiva, que, obviamente, se articulam: efeito e acontecimento. Se, como disse, na dimensão do efeito seria possível, com algum esforço, aproximar a sobredeterminação simbólica das supostas  determinações do desenvolvimento, a dimensão do acontecimento se impõe, para afirmar, mais uma vez, que o sujeito não se desenvolve.

A figuração da criança em Lacan – entre efeito e acontecimento – apresenta, como vimos, as relações sincrônicas e diacrônicas do tempo. No que diz respeito à constituição do sujeito, ele diz: “não são, forçosamente, tempos cronológicos, mas isso não vem ao caso, já que os tempos lógicos só podem desenrolar-se numa certa sucessão” (Lacan, 1957-1958/2003, p. 205). É um tanto do que vimos quando falamos do vem chegando da linguagem, formulado por Agamben. E é por isso que Lacan diz, no Seminário 5, que a criança é um ser mal adaptado ao mundo do símbolo (Lacan, 1957-1958/2003). É a criança menos arada pelo simbólico (Lacan, 1956-1957/2003), marcando-se pela coalescência da linguagem com a realidade sexual, lalíngua (Lacan, 1975/1998).

Para encaminhar a conclusão, sublinho dois pontos:

  1. o acontecimento como experiência na vida e como dimensão de perspectivação da teoria da constituição do sujeito, porque se institui por descontinuidade, enfrenta imaginarizações – as da vida e também as que incorremos na teorização da psicanálise, resistindo, nos dois casos, ao fechamento dos semblantes;
  2. em mais uma volta, as infâncias contra-hegemônicas, entendo, mostram essa potência transformativa que está com as crianças, radicalizando, em sua experiência nem sempre tangível pelos parâmetros universais do desenvolvimento, as perguntas que desafiaram os semblantes produzidos pelos discursos hegemônicos e desenvolvimentistas.

Ao sustentar, na pactuação de seus compromissos epistemológicos, “uma abordagem transnacional”, Criança como método (Burman, 2019/2022) enfrenta a perspectiva universalizante do desenvolvimento. Instrui, assim, o trabalho que uma psicanálise precisa fazer como enfrentamento da segregação: para complicar o universal e responder a partir da proposição ética da psicanálise, é fundamental analisar as ideias de criança e de família que têm lugar no discurso psicanalítico, em relação às proposições de Lacan sobre esses temas, ao longo de sua obra.

Essa abordagem do texto pelo método permitiu ler Lacan num esforço radical de desimaginarização[13] da constituição. Desimaginarizar, nesse sentido, quer dizer enfrentar o ideal de infância como categoria normativa, despregando o sujeito da perspectiva do desenvolvimento, a partir de uma certa concepção do tempo, pela instituição da sua lógica pela via da inscrição da falta.

A ideia de que o sujeito se constitui como resposta à falta no Outro deve considerar que esse Outro, além de se encarnar naquele que toma o sujeito em seu interesse particularizado (Lacan, 1969/2003), também representa a cultura e o lugar social em que se vive. A ordenação da subjetivação, não é, como regra, a da subjetivação ocidental e hegemônica, ela se organiza, necessariamente, em função da territorialidade e do espaço (Santos, 1996): o sujeito responde, como acontecimento, ao lugar que lhe é reservado no laço social. Por consequência, precisamos considerar que, no tempo da infância, o sujeito precisa lidar com a criança[14]. Nessa perspectiva, desembaralhar desenvolvimento e constituição subjetiva é a condição para afirmar uma psicanálise em que criança e infância sejam categorias geopolíticas (Burman & Millei, 2022) que têm um lugar na constituição do sujeito.

Hoje, precisamos considerar que uma psicanálise, a qualquer tempo e porque acontece em relação ao tempo histórico do qual participa, não escapa, por simples vocação, de reproduzir práticas segregativas que, inclusive, infligem sua disposição ética: a de produzir como efeito de sua prática a distribuição do poder. Para darmos conta dessa tarefa, o enfrentamento das normatividades se abre em diversas frentes (muitas que não foram analisadas aqui), as quais passam, todas, pela confrontação do ideal que institui as universalizações.

 

[1] A discussão que este artigo propõe foi inicialmente apresentada no Child as Method Internacional Symposium, em seis de junho de 2023, na University of Manchester/UK, e, depois, no artigo “Child as method to read Lacan”, publicado originalmente  no dossiê “Child as Method in Movement: Work, Action, Subject”, da revista Annual Review of Critical Psychology, organizado por Artemis Christinaki e Luan Carpes Barros Cassal, aos quais agradeço as boas perguntas e o espaço que instigaram a apresentação das ideias aqui dispostas.

[2] Apesar da palavra trope, em inglês, ter como tradução direta “tropo”, no português brasileiro, opto pelo uso do termo “figuração” ao longo do texto para sustentar mais diretamente o sentido que essa expressão assume no trabalho de Erica Burman, de onde a recolho, como se verá.

[3] Destaco, nesse contexto, a articulação – liderada por psicanalistas de diferentes orientações teórico-clínicas – do Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública (MPASP), que sustentou ações no âmbito da implementação de políticas públicas voltadas para essa população.

[4] Ainda, é preciso marcar que, independentemente da abordagem, a discussão sobre a pertinência da detecção precoce como procedimento de cuidado deve ser encarada a partir da sua mobilização pela “indústria do autismo”, debate que não é realizado neste texto, mas que pode ser encontrado no incontornável relatório A “indústria” do autismo no contexto brasileiro atual: contribuição ao debate, de autoria das pesquisadoras Amanda Fernandes, Maria Cristina Ventura Couto e Bárbara Costa Andrada (2024). 

[5] Ainda que esse não seja o tema central da discussão aqui apresentada, não é possível seguir sem dizer que entendo que nem todo autista necessita disso que nomeamos “tratamento clínico” (psicanalítico ou não) para viver bem em sua condição. Em relação ao autismo, a indicação de tratamento opera da mesma forma que acontece em relação a outras condições de vida: porque está sempre relacionada à experiência de sofrimento e à possibilidade de estabilização na estrutura, a indicação não é compulsória e muito menos universal. A biografia de muitos autistas, inclusive, conta sobre as diversas maneiras que elas e eles puderam constituir recursos no laço com o Outro para o enfrentamento das barreiras que a organização social lhes impõe.

[6] Na entrevista concedida a Hervé Castanet, Maleval descreve brevemente a tese que apresenta em La différence autistique (Marval & Castanet, 2022).

[7] Entendendo estabilização como ação do sujeito sobre a experiência de sofrimento.

[8] A ideia de desenvolvimento – objeto atual da pesquisa de pós-doutorado que realizo, sob supervisão do Prof. Christian Dunker, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP/USP) –, será discutida em outro artigo, também fruto dessa mesma pesquisa, a partir dos desdobramentos alcançados na etapa do trabalho que o presente texto apresenta. A diferenciação proposta por Burman (2024) entre desenvolvimento e desenvolvimentismo, que não estava ainda disposta no momento de elaboração deste texto, é o que orienta a nova volta sobre a discussão e redimensiona o entendimento de “desenvolvimento” até aqui considerado.

[9] Expressão de Barbara Cassin, que nos convoca em seu livro Elogio de la traducción: complicar el universal (2016/2019).

[10] A expressão “minoritário”, para se referir a uma maioria numérica (como é o caso, por exemplo da população negra) ou para se referir a uma parcela expressiva de pessoas (como é o caso de pessoas com deficiência) que reúnem, respectivamente, 55,4% e 8,9% da população (dados disponíveis em: https://shorturl.at/wDT7d e https://shorturl.at/e08F2), denuncia, ainda, a manobra violenta que se faz em relação a esses grupos, avaliados a partir de parâmetros não relativos ao seu modo de vida, pois criados pelo grupo que produz esses critérios e que se toma como referência.

[11] O livro Desconstructing Developmetal Pshycology não está traduzido para o português brasileiro. Amana Mattos, psicanalista e professora na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), traduziu seu primeiro capítulo, indicado nas referências ao final deste texto (Burman, 2008/2016). Esta é a tradução que usei na referência acima.

[12] A esse respeito, vale consultar o trabalho de fôlego de Angela Vorcaro: Vorcaro, A. (2004) A criança na clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2004.

[13] Precisamos levar em conta que, nas situações (clínicas, teóricas e de pesquisa) em que os termos e o jogo da constituição do sujeito são compreendidos numa perspectiva desenvolvimentista, eles assumem a vertente imaginária desse entendimento e, intencionalmente ou não, sustentam processos de patologização das diferenças. Nesse sentido, junto com a patologização da pobreza e de identidades, precisamos, ainda, e não por último, considerar a patologização de funcionamentos subjetivos particulares – tarefa a ser realizada em outra oportunidade.

[14] “Criança”, como formulado em trabalho anterior (Katz, 2019), é o significante que conjuga os termos do desenvolvimento, as possibilidades do corpo e as determinações da época. Comporta, também, as diferenças de cultura e os efeitos da divisão de classes e de marcadores sociais, como raça, gênero e deficiência no interior de uma mesma cultura.

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Ilana Katz

Psicanalista, pesquisadora no IP/USP, LATESFIP/USP. Doutora em Educação na FE/USP, pós-doutorado em Psicologia Clínica no IP/USP.  Integrante da Rede Nacional de Pesquisas em Saúde Mental de Crianças e Adolescentes (SMCA).

É integrante do conselho consultivo do Instituto Cáue — Redes de Inclusão, participa do Núcleo de Estudos e Trabalhos Terapêuticos (NETT); é co-cordenadora do Micélio – Programa de Co-formação de Jornalistas-Floresta no Xingu e colunista de Sumaúma, Jornalismo no centro do mundo.